UM GESTO DE
AMOR ME AMPAROU NA MORTE
“O amor
cobre uma multidão de pecados”
Enquanto
permaneci sobre esta Terra não passei de um fardo pesado para meus familiares.
Desde a adolescência rebelde, afeiçoei-me às sensações mundanas e aos prazeres
fúteis da juventude. Logo engravidei de meu primeiro filho, mas nem por isso,
emendei-me como dizia minha vozinha que me criara.
Abandonei as
responsabilidades maternas a outrem, tal qual haviam feito comigo. O pai da
criança nem mesmo dignou-se a conhecê-la, descrendo de sua paternidade diante
de meu comportamento notoriamente promíscuo.
Cedo conheci
o mundo das drogas e na ânsia de sustentar o vício odiento, entreguei-me também
a pequenos furtos e roubos na comunidade em que vivia. Afundei até onde um ser
humano poderia fazê-lo, inibindo em mim mesma os sentimentos mais elevados, os
quais se agasalhados em meu peito indócil, teriam-me poupado muitas desventuras
e angústias. Outros filhos vieram ao mundo em decorrência de minha prostituição
à qual lancei mão para o sustento do vício que me consumia visivelmente.
Deixei-os, assim como o primeiro, em desamparo e, na falta de cuidados
materiais, logo foram parar em abrigos de assistência social.
Minha pobre vozinha
partiu antes de mim, talvez por tristeza causada por minhas atitudes e conduta
desregrada.
Quando fui
parar na cadeia, a primeira vez, já não tinha um lar a minha espera e pouco me
importava com minha própria sorte. Conheci lá dentro religiosos que,
sobriamente vestidos e bem calçados, vinham, de tempos em tempos, “pregar” o
livro Santo na tentativa de resgatar nossas almas por meio da confissão e do
arrependimento dos pecados.
Entre idas e
vindas do cadeião conheci uma pobre mulher que, como eu, escolhera os caminhos
errados. Presa, ainda grávida, veio a dar à luz a pobre e desamparada criança
com insuficiência respiratória em noite de forte tempestade. Desenganada pela
enfermeira plantonista foi deixada à própria sorte juntamente com sua genitora
por horas a fio à espera do socorro que por razão do mau tempo tardou a
aparecer.
Tocada pela
cena derradeira e presa de forte sentimento que não sei explicar, velei noite a
dentro mãe e filha, mantendo essa aquecida em meus braços até seu último
suspiro.
Anos mais
tarde, ao desencarnar, esquecida em uma cama imunda de pensão, que durante as
noites transformava-se em bordel, pensei que estavam a me procurar criaturas
horripilantes e degradadas por sensações
as mais vis. Encontrava-me em escuro corredor tentando fugir dos olhos
tenebrosos que me espreitavam na sombra quando, de uma pequena faixa luminosa,
surgiu um jovem olhar doce e amável. Estendeu-me a mão sem questionar meu
passado ou minhas culpas. Apenas entrelaçou aos meus os seus suaves dedos e
conduziu-me para fora daquele pesadelo horrível.
Era a
criança que eu, anos atrás, acalentava junto ao meu seio, talvez o único gesto
sincero de amor que tenha realizado em minha tormentosa existência. Apenas ele
lá estava para me conduzir à saída, apenas este gesto bastou para que eu
merecesse a misericórdia e hoje aqui estou, de passagem, para deixar com esta
história a lição de que mesmo o mais acanhado gesto de amor pode determinar o
futuro de cada qual.
Assim me
despeço, já em prantos, aguardando nova chance nestas terras.
Aline.
Psicografia
recebida em 2017.
Médium:
A Paula.